Uma descoberta de insetos que vivem em cavernas, cuja fêmea possui um órgão genital caracteristicamente masculino, tem sido bastante difundida no meio científico em todo o mundo, devido ao ineditismo dessa situação. A pesquisa teve início com o trabalho do professor Rodrigo Lopes Ferreira, do Departamento de Biologia (DBI) da Universidade Federal de Lavras (UFLA). Foi ele quem descobriu as quatro espécies, do gênero Neotrogla, em cavernas de Minas Gerais, Bahia e Tocantins.
Os primeiros achados foram em 1997, no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, em Itacarambi, na região norte de Minas Gerais. Naquele momento, foram coletados insetos em fase de ninfa; os adultos, que medem cerca de 3 milímetros de comprimento, foram coletados em 2003, e posteriormente estudados em pesquisa realizada por Thaís Oliveira do Carmo (que fazia mestrado em Ecologia Aplicada/UFLA).
Isso constituiu o primeiro achado de insetos da rara família Prionoglarididae na América do Sul e a espécie recebeu o nome de Neotrogla brasiliensis. Outras espécies foram encontradas na Bahia (Neotrogla truncata) e Tocantins (Neotrogla aurora). Os insetos foram descritos pela primeira vez em 2010.
A pesquisa para reconhecimento do gênero e da morfologia foi feita por meio de parcerias internacionais. O entomologista Charles Lienhard, do Museu de História Natural de Genebra (Suíça), fez a dissecação do Neotrogla brasiliensis e reconheceu o novo gênero e o aspecto incomum dos órgãos. Os detalhes sobre a anatomia foram obtidos pelos entomologistas Kazunori Yoshizawa, da Universidade de Hokkaido, e Yoshitaka Kamimura, da Universidade de Keio (Japão). Os detalhes da descoberta vieram à tona em artigo publicado no dia 17/4 no periódico Current Biology.
Essa é a primeira vez que um animal do sexo feminino é identificado possuindo o órgão masculino, que recebeu o nome de ginossoma. Ao contrário do que se imagina, a presença ou ausência de órgão sexual não indica seu gênero; os biólogos detectam o sexo da espécie segundo o tamanho dos gametas (células sexuais). A fêmea contribui com o maior gameta, enquanto o macho tem o menor. Por isso, entre outras características, o Neotrogla com o órgão caracteristicamente masculino foi identificado como fêmea. Os machos possuem aberturas e são penetrados pela fêmea, que suga esperma e alimento (fluidos seminais nutritivos).
A inversão do papel sexual já foi identificada em outros animais, mas o Neotrogla é o primeiro exemplo em que o órgão também é trocado. Para os pesquisadores, a inversão possivelmente foi impulsionada pelo ambiente desprovido de recursos (os insetos se alimentam de excrementos de morcegos e seus cadáveres). A fêmea aproveitaria o acasalamento para obter nutrientes dos machos.
Agora, os cientistas pretendem criar as espécies em laboratório, a fim de identificar seu genoma e compará-lo a de espécies parecidas. A informação pode ajudar a ciência a compreender como o desenvolvimento de órgãos invertidos aconteceu, bem como testar hipóteses sobre seleção sexual, conflitos entre os sexos e evolução.
Potencial para novas descobertas
O professor Rodrigo ressalta que as cavernas brasileiras possuem um grande potencial de exploração de fauna. “Há cerca de 12 mil cavernas cadastradas no Brasil, mas esse número, segundo projeções de geólogos, pode chegar a 150 mil. E, das cadastradas, só uma pequena parte foi inventariada. Isso revela o quanto ainda é desconhecida a fauna das cavernas e o quanto ainda há para ser descoberto”, analisa.
Por outro lado, ele teme que a falta de preservação das cavernas possa levar ao desaparecimento precoce das espécies que as habitam: “Até 2008, a legislação protegia integralmente todas as cavernas, mas naquele ano, um decreto criou quatro classificações de relevância, com critérios geológicos e biológicos. Somente as cavernas que estão no grau máximo são protegidas; as demais, podem ser até destruídas. Existe o risco de espécies desaparecerem antes de serem descobertas e estudadas”, diz o professor.
Veja alguns sites que destacaram a descoberta:
- Discovery Magazine
- Exame
- National Geographic
- Nature
- New York Times
- Portal G1
- Science
- Scientific American