O desafio da qualidade

O principal desafio de uma universidade é a qualidade. A qualidade do produto acadêmico. Qualidade da pesquisa e qualidade do ensino – a da extensão é decorrente das duas primeiras, na medida em que esta não deve ser assistencialismo, mas modalidade de formação em relação direta com a sociedade.

O fundamento da qualidade é o preparo e a competência dos atores do mundo acadêmico: professores atualizados em seu campo de conhecimento, inovadores e comprometidos com um projeto socialmente relevante de educação; técnico-administrativos capacitados na gestão universitária, do planejamento ao controle e eficiência dos processos; e alunos interessados em estudar e aprender, com envolvimento participativo. Tudo isso requer uma cultura acadêmica desenvolvida e aberta aos desafios delineados nos horizontes da contemporaneidade. Valores, projetos e tipos de ação coerentes com os objetivos institucionais mais exigentes e avançados.

Na moldura da universidade pública brasileira, este salto implica na transferência do foco dos investimentos político-institucionais das eleições para a gestão colegiada. Não que as conquistas do movimento docente – eleições diretas para dirigentes – não sejam importantes e não continuem a cumprir a sua finalidade democrática. O fato é que os tempos são outros, este valor já está consagrado na cultura universitária nacional, e a nova agenda, que é a busca da qualidade, exige, agora, inovação na arquitetura da gestão.

A construção de uma universidade sintonizada com as exigências e desafios do tempo presente, e apta a enfrentá-los, envolve a superação da fragmentação, do corporativismo e do individualismo acadêmicos. A necessidade de se resgatar a integridade dos campos de saber (interdisciplinaridade), ofuscada, nas últimas décadas, pela crescente especialização; a constatação da obsolescência do conhecimento ter deixado de ser um acidente para se tornar um fato esperado e, mesmo, programado; a crescente sofisticação dos recursos tecnológicos, tudo isso obriga a uma transformação profunda do ethos tradicional da academia brasileira, desafiada a cumprir novas funções, a exemplo da educação continuada, da pesquisa de ponta e a formação para a cidadania solidária.

O aumento da complexidade dos desafios postos pela dinâmica social hodierna, as exigências dos novos patamares de interatividade e o crescimento das redes de cooperação em escala planetária são fenômenos que alteram medularmente o tempo acadêmico, a lógica da relação professor-aluno e o espaço e a forma em que se desenrola o exercício da aprendizagem. Não é mais possível enfrentar a nova agenda com as estratégias e procedimentos tradicionais e obsoletos de gestão – tecnologias e mentalidades. Urgem sistemas computacionais adequadamente programados para circular as informações estratégicas e espaços mais públicos e partilhados de cooperação e comunicação: em nível interno à Instituição e em nível externo, na relação desta com outros agentes e atores sociais.

Não será a forma de eleição ou a fórmula de composição de colegiados e conselhos universitários que, em si, assegurarão essa transformação. O mais difícil é organizar ambientes adequados para a germinação de projetos e ações coletivamente partilhados, em vista de objetivos acadêmicos comprometidos com os interesses republicanos e nacionais mais legítimos e com lastro de qualidade.

A Universidade precisa estar aberta ao mundo, à sociedade, ao seu tempo. Os problemas da contemporaneidade são imensos e infinitos. Há muito que pensar, refletir, experimentar, sugerir, realizar. Novos paradigmas educacionais se impõem. Perfis profissionais de inéditos caracteres. Inovação em todas as áreas da atuação humana. Não há mais tempo para perder.

Diante das exigências da história não se pode brincar. Ou construímos Universidades com “U” maiúsculo, aptas ao enfrentamento dos desafios cognitivos crescentes do mundo contemporâneo, ou não se sai do lugar, não se vai a lugar nenhum, não se ilumina o futuro. A conhecida advertência de Ortega Y Gasset continua válida e mantém o seu poder de interpelação: “uma instituição em que se finge dar e exigir o que não se pode exigir nem dar é uma instituição falsa e desmoralizada”.

Sim, não se pode brincar! A superação do populismo e da demagogia em favor do mérito e da qualidade se anuncia, assim, como a nova palavra de ordem da universidade brasileira. A hegemonia desses novos valores é o único antídoto contra a obsolescência e a mediocridade dos chavões de sempre.

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