A escola e a desigualdade

Correio Braziliense, 13/11/07

Alain Touraine, Sociólogo

Aquilo que uma sociedade diz da educação, como é, como deveria ser, nos informa muito mais do que qualquer outro discurso acerca da natureza e dos objetivos dessa sociedade. Já é uma razão suficiente para se ler com o maior interesse os resultados do estudo dirigido por Juan Casassus, responsável pelo programa da Unesco sobre o estado da educação na América Latina e Caribe, intitulado A escola e a desigualdade, lançado ontem em Porto Alegre. Dever-se-ia começar a ler e julgar esse livro partindo dos dados comparativos que apresenta com relação à qualidade da educação nos diferentes países, no campo e na cidade, nos diferentes setores sociais etc., já que nos repassam resultados e análises percucientes e que são de uma qualidade nitidamente superior a tudo que se encontra à nossa disposição na atualidade.

J. Casassus demonstra, com cifras concretas, analisadas segundo métodos estatísticos sofisticados, que grande parte da desigualdade que se observa na escola e na sua saída é produzida nela mesma e não é herdada das diferenças entre as famílias cujos filhos vão à escola. Tal afirmação repensa os debates sobre a educação, obrigando a abandonar-se todas as interpretações que eximem a escola de suas responsabilidades na desigualdade social, porque, é bom que recordemos, seria a desigualdade de marcha a ré, nas famílias e no meio social, que explicaria a desigualdade de oportunidades e de resultados tão fáceis de observar.

Certamente que as diferenças entre os meios sociais de origem determinam uma interferência profunda e quando se analisam de forma elaborada os dados que permitem comparar, por exemplo, escolas rurais com escolas urbanas, percebe-se que é a desigualdade entre as famílias o fator preponderante. Mas o que ecoa como explosão é que as variáveis internas da escola têm um peso maior com respeito à igualdade ou desigualdade do que as variáveis exteriores a ela.

A desigualdade aumenta em parte porque o afastamento dos professores em relação a seus alunos deixa o terreno livre para a ação do ambiente social, o qual, como é de se prever, é mais favorável para aqueles meninos que provêm de famílias de rendas mais altas e de maior nível educacional se comparados com os das famílias de parcos recursos culturais e, por isso mesmo, incapazes de ajudar o jovem a visualizar um futuro desejável. Entretanto, o segundo resultado sobre o qual insiste Juan Casassus é mais preciso ainda e seu peso, alega o autor, é mais forte do que o conjunto dos outros fatores reunidos. Trata-se da presença ou ausência na escola de um ambiente emocional favorável ou não ao aprendizado. E aqui o autor nos apresenta a imagem de uma aula quase ideal na qual uma professora muito preparada transmite aos meninos o gosto pelo conhecimento e dedica o essencial de seu trabalho ao estabelecimento de boas relações com os estudantes.

Da leitura do livro inferimos que, em lugar de esperar resultados positivos de um crescimento econômico prolongado ou de uma ação revolucionária, vemos que é possível agir aqui e agora. É possível melhorar os resultados de todos os países do continente, diminuir a desigualdade definindo as prioridades que uma sociedade deve adotar para sair da situação atual, que é duplamente perversa, objetivamente pelo baixo nível dos resultados e, subjetivamente (ou politicamente) porque os países da América Latina, como muitos outros no mundo, se negaram e ainda se negam a considerar como os principais responsáveis, para o bem ou para o mal, os sistemas escolares.

A clareza das conclusões, a qualidade técnica das análises, a forma como se questionam os diferentes modos de análises fazem do breve estudo um documento que deveria ocupar um lugar central na formação dos professores e não somente na América Latina. Os países mais ricos, que são também os mais orgulhosos de seu sistema educacional, também têm tanto que aprender com Juan Casassus como os países pobres ou aqueles que estão em uma situação intermediária.

Uma descoberta mais importante ainda é identificar hoje o papel predominante que representam os fatores internos nos resultados escolares e, portanto, na desigualdade de oportunidades contra a inserção na vida profissional. Meu desejo é que a Unesco e os editores tomem o mais rápido possível as medidas necessárias para que um texto desta envergadura e desta importância transcenda o público receptor dos relatórios — não raro excelentes — que são produzidos pelas organizações internacionais e os centros de estudo. O livro é tão revelador que deveria chegar ao mais amplo público possível e, em particular, ao círculo dos que decidem, sejam professores ou membros da elite política.

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