Folha Dirigida, 18/12/2007
Bruno Vaz
A recente onda de ocupações de reitorias devido à discussão do Reuni causa polêmica na comunidade acadêmica. Os alunos estão exercendo seu legítimo direito de se manifestar ou a prática atenta contra as normas democráticas? Truculência, atitude, falta de diálogo, forma de se fazer ouvir.
As recentes ocupações das reitorias de universidades federais por parte dos alunos, motivadas pela adesão ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), do Ministério da Educação (MEC), suscitaram uma grande polêmica entre os integrantes da comunidade acadêmica. De um lado, reitores e docentes favoráveis à proposta do governo, assustados com o tipo de manifestação estudantil, que visou obstruir a discussão da proposta nas instituições. Do outro, representantes do movimento estudantil, críticos de um modelo vigente que, segundo eles, não dá voz aos estudantes no momento da tomada de decisões nas universidades.
As ocupações tomaram conta de várias instituições em todo o país, pouco antes do prazo final dado pelo MEC para que as universidades aderissem ao Reuni, 29 de outubro. No Rio, das quatro universidades federais, todas elas palco das manifestações estudantis, o placar ficou empatado. Enquanto os reitores de duas instituições, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), não se intimidaram com as ocupações e enviaram suas propostas de adesão no prazo, na Universidade Federal Fluminense (UFF) e na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Rural), os alunos conseguiram atingir seu objetivo, adiando o envio da proposta para o ano que vem.
Como um segundo prazo foi estabelecido pelo MEC, a última segunda-feira, dia 17, as duas instituições acabaram, tardiamente, enviando suas propostas finais. A onda de ocupações foi iniciada pouco depois que a maior instituição do país, a Universidade de São Paulo (USP), teve sua reitoria ocupada durante
50 dias por um grupo de estudantes que não aceitava a promulgação de um decreto do governador de São Paulo, José Serra, que, segundo eles, ameaçava a autonomia universitária. O ato, que praticamente paralisou todas as atividades da instituição durante o período, ganhou repercussão nacional e foi seguido por ocupações esporádicas, em outros estados, numa espécie de advertência dos alunos. No caso do Reuni, apesar da pressão dos estudantes, 36 das 58 universidades vinculadas à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) enviaram suas propostas ao MEC em outubro. O programa prevê, entre outras coisas, a elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação e da relação de alunos de graduação por professor, além da ampliação da oferta de vagas nos cursos de graduação. Para isso, o MEC disponibilizará um aumento de até 40% dos recursos relativos ao orçamento de cada instituição.
Dirigentes da UNE em lados opostos
A polêmica das ocupações coloca em lados opostos dois dirigentes ligados ao movimento estudantil. Para o ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) e atual presidente da Associação Brasileira de Educação, João Pessoa de Albuquerque, o ato de ocupar espaços públicos para impedir a discussão de qualquer proposta é lamentável. ‘Sou definitivamente contra a invasão de prédios públicos, seja qual for a causa. Ainda mais no caso de estudantes universitários, que serão os futuros profissionais liberais de nosso país e não devem, desde cedo, adotar uma prática tão irresponsável quanto ocupar e destruir o patrimônio público’, declara o educador.
Atual presidente da UNE, Lúcia Stumpf não concorda com a tese de que os alunos foram intransigentes ao tentarem impedir a discussão. ‘O processo de disputa de idéias na universidade se constrói de forma dinâmica e diversificada, tanto nos espaços institucionais como através de manifestações públicas. As ocupações de reitorias são uma forma legítima de manifestação dos estudantes’, defende a aluna.
Segundo ela, os atos são resultado de uma política interna que não permite a participação dos alunos no processo de discussão dos rumos da universidade pública. ‘Os estudantes têm pouco espaço de participação nas instâncias deliberativas da universidade. As universidades públicas ainda precisam avançar muito na consolidação de sua democracia interna. Tanto na forma de escolha dos dirigentes como na representação dos estudantes nos órgãos colegiados’, especifica a dirigente.
Atualmente, boa parte das universidades públicas dá aos professores maior participação no processo de votação das suas normas internas. Ainda segundo Lúcia, as ocupações foram a forma encontrada pelos alunos de se fazerem ouvir no processo de discussão do Reuni. ‘O movimento estudantil sempre conquistou suas bandeiras e direitos através de muita pressão e mobilização. As ocupações em espaços públicos são uma forma democrática de chamar a atenção dos governos e da sociedade para as nossas reivindicações. Quando são pacíficas, as ocupações não representam nenhuma arbitrariedade ou intolerância.’
Para o presidente da ABE, porém, a justificativa não é válida. ‘Quando eu fui presidente da UNE, entre 1953 e 1954, reivindicávamos as nossas demandas através de greves, manifestações, documentos, reuniões com as autoridades competentes, ou seja, através do diálogo. Esta é a melhor forma de se solicitar as coisas. Este processo atual de ocupações deve ser terminantemente combatido’, declara. A opinião dos reitores é parecida com a do atual presidente da ABE.
Em manifesto assinado pelo conselho pleno da Andifes, as ocupações são classificadas como antidemocráticas pelos administradores das instituições de ensino superior públicas do país. ‘Vimos manifestar o mais veemente repúdio à ação violenta e antidemocrática das invasões de reitorias e impedimento de decisões legítimas e soberanas de Conselhos Universitários, patrocinadas por grupos de estudantes que, com péssimo exemplo, não honram as melhores tradições do movimento que pretendem representar.’ Os dirigentes aproveitaram para criticar a forma de atuação dos universitários. ‘A truculência tem caracterizado tais manifestações, em contraste com a atitude democrática de dirigentes das universidades federais que, sem exceção, têm submetido aos conselhos superiores as grandes decisões institucionais. Os lamentáveis episódios caracterizam o conteúdo fascista e totalitário desse tipo de manifestação política, que não condiz com as liberdades democráticas, a normalidade institucional e o pleno estado de Direito em vigência no Brasil’, diz o texto.
Associação com movimentos sociais
Uma possível relação com as ocupações que movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), por exemplo, realizam para conseguir atingir seus objetivos também é motivo de discordância entre os dirigentes da UNE. ‘O MST é parceiro dos estudantes em muitas lutas, sempre fizemos manifestações e atividades em conjunto com o movimento, mas as ocupações sempre foram formas de manifestação do movimento estudantil e, nos casos mais recentes, as pautas já estavam colocadas há algum tempo’, diz Lúcia.
João Pessoa, por sua vez, não descarta uma possível associação entre os movimentos. ‘Não tenho certeza para dizer se houve contágio por parte de movimentos sociais que ocupam terrenos, prédios públicos, mas esta não é uma hipótese que deve ser descartada. O mais importante, no entanto, é que estas invasões são comandadas por minorias, ou seja, a grande maioria dos universitários não agiria desta forma truculenta’, acredita o educador.
Afastado do olho do furacão, já que por ser estadual e não participar do Reuni a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) não sofreu com ocupações, o reitor da instituição, Nival Nunes, ao analisar o fenômeno, lembra que muitos reitores de universidades federais já foram ligados ao movimento sindical. E pede mais diálogo aos alunos. ‘Nos anos 80, o movimento sindical tinha uma preocupação com a redemocratização do espaço público e isso foi muito importante para todas as universidades. Inclusive, vários reitores de universidades federais saíram do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes), quadros excelentes que conseguem enxergar o que é a universidade. Eu acho que os estudantes precisam discutir como estão as bolsas, o projeto político-pedagógico. A universidade é plural, todos precisam estar discutindo e, pelo menos na Uerj, as associações têm demonstrado um certo grau de maturidade.’