Pense numa mesa de “guloseimas” nada convencionais: bolo de barata ou formigas, patês com tenebrio, bombons de chocolate recheados com grilos pretos e cobertos com larvas. Pois foi assim que o ex-aluno da Universidade Federal de Lavras (UFLA) Gilberto Schickler, zootecnista e consultor em insetos comestíveis, recebeu professores e estudantes da Universidade para a palestra sobre Entomofagia. Mas o que é isso afinal?
Trata-se de uma prática que consiste na utilização de insetos como fonte alimentar e o investimento nesta nova área poderá incrementar significativamente a produção de proteína animal no Brasil, seja para obtenção de ração animal ou consumo humano, de uso interno e para exportação.
Insetos na alimentação humana e animal, embora inusitado na cultura brasileira, fazem parte da rotina de mais de dois bilhões de pessoas, em 120 países, como Índia, Tailândia e México. Gilberto Schickler conta que existem mais de um milhão de espécies conhecidas de insetos comestíveis e outros milhões para se conhecer.
A abertura deste mercado no Brasil e o investimento em pesquisas nessa área se devem a uma preocupação mundial, alertada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) sobre o risco de um colapso na indústria de alimentos em meados dos anos 2050. A FAO sugere que sejam intensificados os estudos para que seja incentivado o uso de insetos como fonte de proteína animal e para que não seja alterado o hábito dos grupos que tradicionalmente já os utilizam em suas dietas.
Diferencial no mercado
Diferente dos egressos da Universidade, Schickler não buscou um caminho comum para inserção no mercado. Quando se formou na UFLA, se uniu em parceria para lançar a primeira empresa brasileira a ter o registro no Ministério da Agricultura (Mapa) para a produção de insetos voltados para a alimentação animal. Hoje, atua como consultor independente de três novos empreendimentos nessa área.
Ele explica que no Brasil ainda é preciso quebrar a crença de que todos os insetos causam repulsa por viverem em más condições sanitárias. No país, este mercado inovador requer a criação em fábricas credenciadas e, ainda hoje, existem apenas registros para produção de insetos para alimentação animal. Além disso, os insetos são higienizados e processados, sobretudo, para o mercado de pequenos animais de estimação (PETs). Para esse mercado, o quilo dos insetos chega a ser vendido por até 200 reais, em especial para criadores de pássaros.
Para alimentação humana, ainda existe um longo caminho para a mudança de hábito. “Nosso papel é justamente o de esclarecer sobre os benefícios desse consumo”, reforça Schickler. Ele destaca alguns argumentos, entre eles, o risco de escassez de fontes de proteína no futuro; mas também destaca o valor nutricional, a palatabilidade e a flexibilidade para utilização da base proteica em uma grande variedade de produtos, como hamburguês, salsichas, nuggets e barras de cereais.
“Insetos são gostosos!”, defende o consultor, lembrando que no Brasil insetos já estão em pratos servidos por renomados chefes. Aliás, os insetos são alimentados com produtos similares à produção de frangos; legumes e ração de milho e soja. Existe apenas restrição de consumo para aquelas pessoas que já possuem alergia por crustáceos (camarão, lagosta, caranguejo).
O objetivo da palestra na UFLA, organizada pelo Núcleo de Estudos em Entomologia (Neento), foi para estimular novas pesquisas e incentivar empreendimentos. Um dos maiores desafios está no desenvolvimento de tecnologias para a produção controlada durante todo o ano e sistemas de comercialização do produto.
Algumas parcerias já estão sendo trabalhadas na UFLA. No Departamento de Zootecnia (DZO) será iniciada uma série de pesquisas. Com o professor Antônio Gilberto Bertechini, será avaliado o uso de ração com selênio para o desenvolvimento de alimentos funcionais. Com a professora Priscila Vieira e Rosa será avaliado o uso de farinha de insetos para produção de tilápia. A professora Flávia Borges Saad deverá avaliar a digestibilidade da farinha de insetos para alimentação de cães e gatos.
Para a professora Rosangela Marucci, Departamento de Entomologia (DEN), coordenadora do Neento, o conhecimento na área de insetos comestíveis ainda é muito escasso, sendo o estudo dos insetos ainda muito focado no controle de pragas agrícolas. Para ela, uma nova linha de pesquisa no sentido de abordar os aspectos biológicos dos insetos para este fim é muito promissora. O ponto de vista ambiental também foi ressaltado pela professora, já que a produção desta fonte proteica requer pouco espaço, alimentos e água.
Para o chefe do DEN, professor Luís Cláudio Paterno Silveira, a produção de insetos para alimentação animal e humana é uma recomendação da FAO que merece a atenção da pesquisa. O professor observa boas perspectivas de estudos sobre a biologia dos insetos e o seu comportamento em diferentes ambientes. Ele considera ainda que o ensino e a pesquisa nesta temática poderá formar um profissional com destacado diferencial no mercado de trabalho, com uma formação multidisciplinar.
Sobre as “guloseimas” servidas ao final da palestra, houve uma receptividade positiva. Anderson Milani e Ivana Lemos, membros do Neento, aprovaram os produtos, destacando o chocolate com grilos pela crocância e a similaridade com flocos de chocolate. Para a professora Ana Carla Marques Pinheiro, do Departamento de Ciências dos Alimentos (DCA), os insetos não interferem no sabor do chocolate. Especialista em análise sensorial de alimentos, Ana Carla já planeja uma parceria para a avaliação de novos produtos.