O aumento da produção agrícola no cerrado brasileiro é visto como uma das maiores conquistas da ciência agrícola no século 20. Em 72 páginas do mais conceituado periódico internacional sobre Agronomia – Advances in Agronomy- o artigo de revisão pretende resumir o estudo de levantamento pioneiro do professor Alfredo Scheid Lopes em solos sob “Cerrado”, em meados dos anos 1970. Traz, ainda, informações relevantes para que esta região se consolide cada vez mais como um celeiro mundial.
Em 1975, o professor da então Escola Superior de Agricultura de Lavras (ESAL), hoje Universidade Federal de Lavras (UFLA), Alfredo Scheid Lopes, finalizava o mestrado em Ciências do Solo, na Universidade da Carolina do Norte (EUA), com a seguinte constatação: era possível e necessário o estabelecimento de estratégias de manejo da fertilidade dos solos, no bioma “Cerrado”, na região central do Brasil, para torná-los produtivos.
Para chegar a essa conclusão, o jovem professor havia percorrido uma área de mais de 600 mil quilômetros de solos sob vegetação de cerrado e avaliado 518 amostras em um estudo completo que ficou conhecido pelo pioneirismo na avaliação do grau de “infertilidade” dos solos dessa região. O estudo teve continuidade e aprofundamento durante o doutorado, de 1975 a 1977, na mesma universidade, com o resultado publicado em periódicos nacionais e internacionais de referência na época.
Passados 40 anos, acaba de ser publicada uma releitura do trabalho, com 72 páginas do Advances in Agronomy – com o título “A Career Perspective on Soil Management in the Cerrado Region of Brazil’’, de autoria dos professores Alfredo Lopes – hoje professor emérito da UFLA – e Luiz Roberto Guimarães Guilherme, do Departamento de Ciência do Solo (DCS/UFLA). A publicação foi um convite especial do professor Donald Sparks, da Universidade de Delaware, Newark – EUA, editor chefe do periódico com o maior fator de impacto médio dos últimos cinco anos na área de Agronomia (5-year impact factor = 6,76, segundo o Journal of Citation Reports),
A publicação coincide com outras datas importantes – 40 anos do Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo da UFLA e 30 anos de formatura do professor Luiz Roberto, que mais tarde se tornou colega de pesquisa do professor Alfredo e deu sequência aos estudos na temática.
Trabalho pioneiro em Fertilidade do Solo
Para realizar o estudo, o professor Alfredo Lopes coletou, de maio a agosto de 1973, 518 amostras compostas, da camada de 0 a 15 cm, de solos sob vegetação nativa da região dos cerrados em 58 municípios localizados nos estados de Minas Gerais, Goiás, Tocantins (na época era parte de Goiás) e do Distrito Federal, abrangendo uma área de 600 mil quilômetros quadrados, o que corresponde a 1/3 da área total do bioma cerrado no Brasil Central. Essas amostras, após serem devidamente preparadas no Brasil, foram encaminhadas para a Universidade da Carolina do Norte, onde foram realizadas as análises químicas, físicas e mineralógicas que se constituíram em ações pioneiras no sentido de caracterizar o grau de “infertilidade” natural desses solos.
As principais conclusões desses trabalhos foram que esses solos eram extremamente ácidos, deficientes em quase todos os nutrientes de plantas, inclusive micronutrientes, com elevada toxidez de alumínio, grande capacidade de fixação de fósforo, além de estarem sujeitos a veranicos que, associados à toxidez de alumínio e deficiência de cálcio do subsolo e a uma baixíssima capacidade de retenção de umidade do solo, constituía-se em sério risco de insucesso para qualquer atividade de produção agrícola. Enfatizava, ainda, que para que esses solos fossem colocados no sistema produtivo da agricultura brasileira seria necessário implantar todo um processo de construção da fertilidade do solo abrangendo práticas agrícolas como calagem, gessagem, adubações corretivas e de manutenção e, principalmente, manejo adequado da matéria orgânica. Um resumo desses processos pode ser acessado em (http://www.ipipotash.org/pt/eifc/2012/32/5/English).
O artigo que acaba de ser publicado (Volume 137, 2016, Págs 1–72) além da releitura dos dados anteriormente citados, faz um resgate das ações para o desenvolvimento e consolidação da região dos cerrados no Brasil, com as contribuições de diversas instituições e lideranças, entre elas, o também professor emérito da UFLA, professor Alysson Paolinelli.
Apresenta ainda uma abordagem sobre as tecnologias que vem sendo utilizadas na região do Cerrado, em anos recentes, entre eles, o sistema de plantio direto, integração lavoura-pecuária e integração lavoura-pecuária-floresta. Os autores destacam as vantagens desses sistemas sobre o tradicional sistema de monocultura, tanto em termos de sustentabilidade da produção, redução de problemas de erosão, redução das perdas em biodiversidade e minimização de emissão de gases causadores do efeito estufa.
Para se ter uma ideia da contemporaneidade dessas ideias, elas estiveram em debate no evento Fórum do Futuro, realizado de 16 a 18 de maio, na John Hopkins University /Washington e Columbia University- ILAS, em Nova Iorque, com a participação do professor Luiz Roberto. Além disso, essas ações estão em sintonia com as recomendações da COP 21 e da Agenda Lima-Paris para a Agricultura.
Tecnologia a favor da produção de alimentos
Não seria possível o Brasil atingir o patamar de produção de grãos sem os ganhos de produtividade alcançados em solos de cerrado nas últimas décadas. De fato, dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) atestam que estados localizados neste bioma respondem por 60% da produção de grãos no País. Os estudos também comprovaram que as médias de produtividade das lavouras do Cerrado podem ser até três vezes superiores às do Brasil.
De acordo com o professor Alfredo Lopes, a expansão da fronteira agrícola brasileira foi importante para consolidar o País como líder mundial nas exportações agrícolas. Ele destaca que a expectativa da FAO-ONU de que o Brasil deverá, no ano 2050, participar com 40% dos alimentos a serem consumidos no mundo, somente será transformada em realidade com a produção sustentável da região dos cerrados para essa finalidade. “O desafio da segurança alimentar brasileira e mundial passa pelo uso racional dos solos dessa região”, considerou.
O professor, referência em fertilidade do solo, reforça a defesa de que a exploração dessa região deveria ter sido feita com práticas agrícolas sustentáveis, tendo garantida a preservação permanente de parte significativa do bioma. Ele comenta que, mesmo em um cenário potencial de produção conservador, a exploração de 1/3 da região dos cerrados (cerca de 70 milhões de hectares) garante a produção de mais de 90 milhões de toneladas de alimentos. Com o investimento em tecnologias e práticas agrícolas modernas, a região atinge recordes de produtividade em culturas como arroz, feijão, soja, milho e café.
Maior produtividade
Ainda de acordo com o professor, o aumento da produção tem sido fruto, principalmente, do aumento da produtividade e não da simples expansão da área cultivada. Ele comenta que se o Brasil estivesse produzindo, hoje, cerca de 300 milhões de toneladas (base seca) das 16 principais culturas produzidas no Brasil, com as produtividades da década de 1970 (1,4 toneladas por hectare) haveria a necessidade de ser incorporado ao processo produtivo da agricultura brasileira mais 100 milhões de hectares. “Em outras palavras, o aumento da produtividade, em decorrência de investimentos em tecnologias mais eficientes, incluindo o manejo adequado da fertilidade do solo, favoreceu a produção mais eficaz de alimentos e outros produtos do campo. Essa é, talvez, a maior contribuição em termos ambientais resultante desse processo”.
Vale a pena enfatizar, mais uma vez, o papel fundamental que representa o uso de técnicas que levem ao aumento da produtividade agricultura nas áreas já incorporadas ao processo produtivo. “De fato, ele se constitui em um poderoso instrumento de preservação ambiental, pois diminui as pressões de desmatamento das áreas florestadas, muitas vezes não adequadas ao processo intensivo da produção agropecuária, deixando mais espaço para a vida silvestre, a manutenção da biodiversidade e a preservação da natureza”, completou.
Para reforçar essa teoria, o professor Alfredo Lopes apresenta mais uma contribuição relevante decorrente da evolução da produtividade da agricultura nos últimos anos – a ”involução” dos preços reais dos produtos da cesta básica, beneficiando os brasileiros, principalmente aqueles que se encontram no segmento social de baixa renda. De janeiro de 1975 a janeiro de 2011, os preços reais dos produtos da cesta básica caíram para 1/3 do valor original, seguindo uma tendência linear de queda nesse período. “Poucos programas de inclusão social tiveram o sucesso representado pela evolução e desenvolvimento da agricultura brasileira”, destacou.
Referência Internacional
Pelos mais de 50 anos dedicados ao ensino, pesquisa e extensão, prioritariamente na área de manejo da fertilidade do solo, em prol do desenvolvimento da agropecuária brasileira, notadamente na região dos cerrados no Brasil, o professor Alfredo Lopes foi agraciado em 2013 com três honrarias nacionais: Prêmio Pesquisador Sênior do IPNI – Internacional Plant Nutrition Institute (https://www.youtube.com/watch?v=of8_GDHLvKk), Prêmio Norman Borlaug conferido pela ABAG, Fundação Agrisus e USP (https://www.youtube.com/watch?v=dLZ1kxRpBfU) e o Prêmio Heróis da Revolução Verde Brasileira, promovido ABAG, ANDEF, FAO-ONU e EMBRAPA (https://www.youtube.com/watch?v=matv-ha9gJE). Em 2015, durante a abertura do Agrishow – 2015 em Ribeirão Preto, SP, recebeu o Prêmio Brasil Agro-Ciência, patrocinado pela ABAG, ABIMAQ, ANDA e SRB (http://www.ufla.br/ascom/2015/04/28/professor-alfredo-scheid-recebe-o-premio-brasil-agrociencia-na-abertura-da-agrishow-2015/).
O resumo está disponível no link http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0065211315300043.
Outras informações consultar o professor Alfredo no e-mail ascheidl@dcs.ufla.br.