Dentre os principais produtores mundiais de carvão vegetal, o Brasil ocupa a primeira posição, com produção de aproximadamente sete milhões de toneladas ao ano. O uso da madeira como matéria prima para carvão vegetal apresenta destaque, em que, 15,2% da área reflorestada no país visa suprir a demanda por bioenergia.
Mesmo com o crescimento da superfície de florestas plantadas, voltada para carvão vegetal, a comercialização ilegal dos carvões de origem nativa ainda tem ocorrido, por meio de notas fiscais falsificadas. Além disso, a origem dos carvões é de difícil distinção, pois os materiais apresentam características muito semelhantes.
Até então, a única maneira de identificar o carvão ilegal tem sido por meio de análises anatômicas, que são demoradas e exigem a atuação de profissionais experientes e especializados. Estes profissionais estão cada vez mais escassos e muitas vezes nem mesmo trabalham diretamente nos órgãos fiscalizadores, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), a Polícia Federal, o Instituto Estadual de Florestas (IEF), dentre outros.
Mas, toda essa complexidade na fiscalização do carvão vegetal pode ser resolvida por meio de uma pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de Lavras (UFLA) pela estudante Fernanda Maria Guedes Ramalho, do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia da Madeira para a obtenção do título de Mestre, sob a orientação do professor Paulo Ricardo Gherardi Hein, do Departamento de Ciências Florestais da UFLA, e ainda a colaboração do pesquisador francês Alfredo Napoli, do Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (CIRAD).
A pesquisa permitiu desenvolver uma metodologia rápida, confiável e eficiente para detectar a origem da matéria prima precursora do carvão. Os pesquisadores utilizaram a espectroscopia no infravermelho próximo (NIR), uma técnica eficaz que vem sendo utilizada cada vez mais em ciência e tecnologia dos materiais. “Ao contrário da aplicação na espectroscopia no NIR em madeira, poucos estudos têm aplicado essa ferramenta para classificar carvão”, comenta o professor.
O procedimento é simples. Basta colocar o carvão sob a superfície de um aparelho chamado de espectrômetro no NIR e acioná-lo. Em questão de segundos o equipamento lança os dados no computador, que em poucos minutos são analisados por meio de toda a estatística multivariada já elaborada pelos pesquisadores, permitindo assim verificar se o carvão provém de árvores nativas ou plantadas.
“Essa técnica mede a interação da luz com as ligações químicas do material analisado, cada material irá absorver, transmitir ou refletir da luz de forma diferente em função da sua constituição química, gerando assim espectros diferentes para cada material. O trabalho consistiu em testar o potencial dessa técnica associada à estatística multivariada em distinguir os espectros de amostras de carvões provenientes de madeiras nativas e de madeiras plantadas”, explica Fernanda.
Os pesquisadores acreditam que em alguns anos os postos de fiscalização poderão possuir esses equipamentos para medição em tempo real de espectros de carvão e estimar a origem do material. Esta técnica vai permitir que o fiscalizador tenha mais segurança ao afirmar se o carvão é de madeira nativa ou de plantada. “Os resultados deste estudo sugerem que a espectroscopia no infravermelho próximo seja uma técnica promissora para distinção da origem do carvão vegetal. Este é um resultado preliminar que mostra o potencial da tecnologia NIR para futuramente auxiliar os agentes de fiscalização”, complementa Fernanda.
Nesta pesquisa foram utilizadas madeiras de espécies florestais provenientes do bioma cerrado e de reflorestamento. As espécies do bioma cerrado utilizadas foram a Cedrela sp. (Cedro), a Aspidosperma sp. (Peroba), o Jacaranda sp. (Jacarandá) e uma espécie desconhecida. As árvores nativas foram abatidas para implantação da represa no Rio Grande no município de Lavras, Minas Gerais. Para que se tenha representatividade quanto ao material genético utilizado em reflorestamentos no Brasil, foram utilizados clones de Eucalyptus provenientes de duas empresas florestais, a Vallourec, com foco na produção de carvão vegetal, e a Cenibra, com foco na produção de celulose e papel.
Além disso, nesse estudo os carvões foram submetidos a três tipos de temperaturas, 300º, 500º e 700º, para que pudesse obter mais homogeneidade nesse primeiro momento. A expectativa dos pesquisadores é de que novas análises sejam realizadas, com amostras reais, de distintas espécies e temperaturas, para que novas estatísticas sejam elaboradas. “A segunda etapa já está em andamento e novas espécies de madeira serão utilizadas na produção do carvão para que os resultados sejam incorporados ao banco de dados, com o objetivo de aumentar a representatividade das amostras para que os modelos de classificação possam ser aplicados em situações reais”, relata a estudante, que dará seguimento à pesquisa em seu doutorado.
Texto: Camila Caetano – jornalista/ bolsista UFLA