Todos os anos, o segundo sábado de outubro é um dia dedicado em todo o mundo à divulgação sobre a importância dos cuidados paliativos. Este ano, em 14/10, a campanha do Dia Mundial de Cuidados Paliativos aborda o tema “Cobertura Universal de Saúde – Não deixe aqueles que sofrem para trás”.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define como cuidado paliativo uma “abordagem que melhora a qualidade de vida de pacientes (adultos e crianças) e famílias que enfrentam problemas associados a doenças que ameaçam a vida. Previne e alivia sofrimento através da identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e outros problemas físicos, psicossociais ou espirituais”.
Apesar da importância, os serviços brasileiros de cuidados paliativos ainda são poucos. Em 2015, o Brasil ocupou o 42º lugar no “Índice de qualidade de morte” em uma pesquisa desenvolvida pela consultoria britânica Economist Intelligence Unit (EIU), que avaliou os cuidados paliativos disponibilizados aos pacientes em final de vida em 80 países do mundo. O estudo analisou a qualidade de hospitais, além da quantidade de pessoas dedicadas a esse trabalho e sua qualificação, considerando o acesso da população aos cuidados paliativos e a qualidade deles. O topo do ranking foi ocupado por países desenvolvidos: Reino Unido em primeiro, seguido de Austrália e Nova Zelândia. Nos últimos lugares ficaram Iraque, Bangladesh e Filipinas.
De acordo com a professora do Departamento de Ciências da Saúde, Kátia Poles, uma das dificuldades para a implantação de modelos padronizados de atendimento que garantam a eficácia e a qualidade dos serviços de cuidados paliativos no Brasil é a lacuna existente na formação de médicos e profissionais de saúde. “A maioria das escolas médicas não ensina ao estudante como lidar com o paciente fora de possibilidades terapêuticas de cura, como reconhecer os sintomas e como administrar esta situação de maneira humanizada e ativa”, explica.
Na UFLA, além de uma disciplina específica na grade curricular do curso de medicina sobre Cuidados Paliativos, um projeto com foco na formação de profissionais qualificados para o alívio do sofrimento foi iniciado em março de 2017. A Palliare – Liga Acadêmica de Cuidados Paliativos é um grupo composto por estudantes do curso de medicina e conta com reuniões quinzenais com discussões para aprofundamento sobre o tema. A cada semestre, novos alunos dos cursos de saúde podem ingressar por meio de um processo seletivo.
Sob a coordenação da professora Kátia, a liga acadêmica pretende, em breve, promover ações voltadas para a conscientização da sociedade sobre os cuidados paliativos. “Cuidar deve ser sempre prioritário. Embora o paciente possa não ser mais passível de cura, ele sempre será passível de cuidado. É importante também que as pessoas entendam que cuidados paliativos e curativos não são excludentes e sim complementares. Diante da constatação da irreversibilidade do quadro clínico é que os cuidados paliativos devem ser oferecidos de maneira exclusiva envolvendo, inclusive, o processo de luto da família. Essa é a nova concepção de cuidados paliativos”, ressalta a coordenadora.
Alívio do sofrimento
A filosofia paliativista moderna teve início com a inglesa Cicely Saunders, que dedicou sua vida ao alívio do sofrimento humano. Graduada como enfermeira, assistente social e médica, fundou o St. Christopher´s Hospice na Inglaterra em 1967, o primeiro serviço a oferecer cuidado integral ao paciente, com o controle de sintomas, alívio da dor e do sofrimento psicológico. Até hoje, o St. Christopher´s é reconhecido como um dos principais serviços no mundo em Cuidados Paliativos.
Entre os princípios dos Cuidados Paliativos, estão:
– Aceitar a morte como uma etapa natural da vida.
– Priorizar sempre o melhor interesse do paciente.
– Repudiar futilidades: diagnósticas e terapêuticas.
– Não encurtar a vida nem prolongar o processo de morrer.
– Garantir a qualidade de vida e do morrer.
– Aliviar a dor e outros sintomas associados.
– Cuidar dos aspectos clínicos, emocionais, sociais e espirituais do paciente e seus familiares.
– Respeitar a autonomia do paciente e/ou de seus representantes legais.
– Avaliar o custo-benefício de cada conduta adotada.
– Estimular a interdisciplinaridade como prática assistencial.
No Brasil, iniciativas isoladas e discussões a respeito dos Cuidados Paliativos são encontradas desde os anos 70. Contudo, foi nos anos 90 que começaram a aparecer os primeiros serviços organizados, ainda de forma experimental, como os primeiros cursos e atendimentos com filosofia paliativista da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP/EPM, a partir do trabalho do pesquisador Marco Túlio de Assis Figueiredo. Em 1998, o Instituto Nacional do Câncer – INCA inaugurou, de forma pioneira, uma unidade exclusivamente dedicada aos Cuidados Paliativos.
Para Kátia, a conscientização da população sobre os Cuidados Paliativos é essencial para que o sistema de saúde brasileiro mude sua abordagem aos pacientes portadores de doenças que ameaçam a continuidade de suas vidas. “Cuidados Paliativos são uma necessidade de saúde pública, podendo também ser considerados uma necessidade humanitária”, conclui.