Estudo do Ministério da Educação mostra que variação de renda na rede pública foi maior que a inflação de 17% entre 2003 a 2006
Tese da FGV-SP revela também que de 1995 a 2006 salários no magistério público cresceram mais do que em outras categorias
Em muitas análises sobre a piora da qualidade da educação, um argumento usado é o de que sucessivas perdas salariais foram diminuindo a atratividade da carreira do magistério. Duas pesquisas inéditas, no entanto, apontam mudanças positivas nesse quadro.
Uma delas, feita pelo Inep (instituto de pesquisa e avaliação do MEC) a partir da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE), mostra que, de 2003 a 2006, o rendimento médio dos professores do setor público na educação básica aumentou 39%.
O crescimento foi superior aos 17% registrados no índice de inflação oficial, o IPCA, e aos 29% registrados para os demais trabalhadores.
A outra, elaborada por Gabriela Moriconi na Escola de Administração de Empresas da FGV-SP, usa também a Pnad para concluir que, de 1995 a 2006, os ganhos nos rendimentos dos professores da rede pública básica foram superiores aos das escolas particulares e aos de outros trabalhadores do setor público e privado.
Moriconi comparou os salários de um professor da rede pública da educação básica aos de um trabalhador com as mesmas características (escolaridade, cor, sexo, domicílio e outras variáveis) no setor privado e em outras ocupações.
Para profissionais com nível superior, seu trabalho mostra que a distância que separava os professores da rede pública dos demais grupos diminuiu.
O diferencial em favor de outros trabalhadores (não-professores) do setor privado com nível superior caiu de 62% para 17% entre 1995 e 2006. Para ocupados no setor público que não estão no magistério, a redução foi de 60% para 43%.
Quando se compara somente docentes do setor público e privado com diploma, o diferencial cai de 34% em 1995 para insignificativos 2,5% (ainda em favor do setor particular).
O mesmo foi verificado nas comparações de profissionais com formação apenas de nível médio com mesmas características. Nesse caso, os diferenciais, desfavoráveis em 1995, passaram a ser favoráveis aos professores da rede pública.
Pela pesquisa do MEC, o maior crescimento na renda da rede pública foi verificado de 2005 para 2006.
O trabalho de Moriconi destaca igualmente que a melhoria foi mais intensa nos últimos anos, mas, por analisar um período maior -1995 a 2006-, cita também possíveis efeitos do Fundef (fundo de financiamento do ensino fundamental criado em 1996) e uma tendência de melhoria na remuneração em todo o setor público.
Por se tratar de um movimento recente, as razões dessa melhoria salarial ainda foram pouco estudadas.
Para o ministro Fernando Haddad (Educação), a retomada das discussões sobre o estabelecimento de um piso salarial nacional de R$ 850 e uma maior pressão em ano eleitoral (2006) por reajuste ajudaram a melhorar o rendimento dos professores em 2006.
A presidente União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação, Justina Iva Silva, aponta que muitos municípios só recentemente criaram planos de carreira e remuneração.
Para Roberto Franklin de Leão, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, o crescimento se deve ao pagamento de abonose gratificações. ‘Não pode ser considerada política salarial perene. O benefício pode ser retirado a qualquer momento e não atinge inativos’.
Pernambuco tem piores salários; DF, os melhores
São Paulo tem quinta maior média, R$ 1.767, nas redes municipal e estadual. Levantamento revela surpresa, como o terceiro lugar conquistado por Sergipe; cálculo teve como base jornada de 40 horas
Os maiores rendimentos de professores da rede pública básica para uma jornada de 40 horas são encontrados no Distrito Federal (R$ 3.371, em média), diz o estudo do Ministério da Educação feito a partir da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). Os docentes de Pernambuco são os com piores salários (R$ 831) no país.
Em Pernambuco, Maria Agnalda Cunha, 47, mesmo com nível superior, tem na rede estadual salário bruto com gratificações de apenas R$ 542 para uma jornada parcial. Segundo ela, o valor não chegar a ser suficiente nem para poder quitar mensalmente as despesas com água, luz e telefone.
Por isso, precisa complementar o salário dando aulas à noite no município e, entre as duas escolas, ainda acha tempo para dar aulas particulares. ‘Fica muito apertado e não sobra quase nenhum tempo livre’, diz Maria Agnalda.
Já Cesar Santos, 41, professor em Brasília, consegue um rendimento líquido de cerca de R$ 3.000 ao trabalhar exclusivamente na rede distrital.
‘Se eu disser que não consigo viver com esse salário estaria mentindo, mas não pago aluguel. Muitos professores daqui não têm essa facilidade, o que faz muita diferença numa cidade com custo de vida tão alto’, afirma Santos.
Antônio Lisboa, diretor do Sindicato dos Professores do Distrito Federal, lembra que, além do custo de vida, é preciso considerar que os professores têm o pior rendimento entre os servidores públicos da capital.
O secretário de educação do DF, José Valente, reconhece essa situação e diz que o governo se comprometeu a priorizar os professores em reajustes, mas afirma que, por ter os melhores salários do Brasil, cobrará sempre os melhores desempenhos em avaliações.
O levantamento revela também algumas surpresas. O Estado de Sergipe aparece como terceiro melhor rendimento (média de R$ 2.012).
O diretor de comunicação do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Sergipe, Roberto dos Santos, diz que, levando em conta gratificações, o salário pode mesmo chegar a R$ 2.000 se o professor trabalhar no Estado e no município.
Ele diz que o sindicato conseguiu repor parte das perdas em 2006, mas que ainda há uma perda acumulada de 32%.
São Paulo
São Paulo tinha em 2006 a quinta maior média (R$ 1.767) quando se considerava tanto a rede municipal quanto a estadual. Considerando apenas a rede estadual, o Estado apresentava o sétimo maior rendimento (R$ 1.840). Na média das redes municipais, o rendimento dos professores paulistas era o segundo maior.
Uma das maiores vantagens de usar a Pnad em comparações de salários de professores é que a pesquisa permite medir o rendimento médio de todos os docentes do país, sem se limitar a apenas um ponto da carreira (o rendimento para um professor em início da carreira é sempre diferente de um no fim, por exemplo).
Em compensação, por ser uma pesquisa feita por amostra, é preciso considerar que há margem de erro.
Os rendimentos médios de R$ 1.840 na rede estadual de São Paulo, por exemplo, são tão próximos dos de Rondônia (R$ 1.863), Roraima (R$ 1.856) e Acre (R$ 1.826) que a diferença não é estatisticamente significativa. (ANTÔNIO GOIS)
Melhoria salarial não é suficiente, diz MEC
Para o MEC e secretários de educação, a melhoria dos salários dos professores é um ponto positivo, mas não suficiente para impactar na qualidade.
O ministro Fernando Haddad diz que o governo espera que os salários continuem melhorando por causa do Fundeb (fundo de financiamento da educação básica que substituiu o Fundef) e da aprovação do piso nacional de R$ 850, em tramitação no Congresso. Ele afirma, no entanto, que a melhoria na formação dos professores é fundamental.
Sua avaliação é de que os currículos em cursos de pedagogia são muito voltados para a formação teórica e preparam pouco o professor para sua principal função em sala de aula: ensinar. Para incentivar a mudança, o ministro diz que o próximo Enade -avaliação aplicada aos os formandos- já será adequado a essa nova formação.
Outra estratégia que Haddad cita nesse sentido foi a criação do Conselho Técnico e Científico da Educação Básica, órgão que terá entre suas atribuições orientar políticas públicas para capacitação de professores e ajudar o MEC na avaliação da qualidade dos cursos.
O ministério quer também incentivar que os melhores professores formados em universidades públicas sejam atraídos pelas escolas públicas. ‘Foi por isso que, ao lançarmos o Pibid [programa que oferecerá bolsas a alunos de cursos de licenciatura e pedagogia de universidades públicas], colocamos como contrapartida o desenvolvimento de projetos de educação em escolas públicas’, diz Haddad.
O sociólogo Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE no governo FHC e atual presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, aponta como fundamental para a qualidade da educação a melhoria da formação do professor.
‘Bons salários podem atrair melhores talentos, mas aumentar o vencimento de quem já está trabalhando não muda muita coisa. No entanto, para mudar o prestígio da profissão, é preciso também melhorar a qualidade dos cursos de pedagogia e educação, hoje desmoralizados. Uma combinação interessante poderiam ser cursos bem articulados, criados ou supervisionados por secretarias de educação como as de São Paulo ou Minas’, diz. (AG)