Entre os muitos formandos que se preparam para sair da Universidade Federal de Lavras (UFLA) e ingressarem no mercado de trabalho – com o período letivo que chega ao fim neste mês – está Felipe Fortes Braz. Com uma deficiência visual que apenas lhe permite enxergar vultos durante o dia, originada de uma doença chamada retinose pigmentar, ele é protagonista de uma história de superação: concluiu o curso de Licenciatura em Física, uma área complexa, em que a visão parece imprescindível à compreensão dos fenômenos; e prepara-se para iniciar o Mestrado, depois de ter sido aprovado em primeiro lugar no processo seletivo do Programa de Pós-Graduação em Física para a turma de 2014.
De acordo com o censo demográfico feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010, mais de 45 milhões de pessoas no país informaram ter algum tipo de deficiência. Dessas, quase 6 milhões têm a visão totalmente comprometida ou possuem grande dificuldade de enxergar. Pela representatividade do número na população brasileira, temas como a acessibilidade e a inclusão tornam-se preocupação obrigatória também das universidades. Na UFLA, a missão de coordenar a evolução nesses temas é do Núcleo de Acessibilidade, criado em 2012.
A trajetória de Felipe Braz
O estudante conta que começou a apresentar a deficiência por volta dos 15 anos. Aos 20 anos, com boa parte da visão já comprometida, saiu de Santo André (SP), sozinho, para fazer o curso superior na UFLA. Depois de 4 anos e meio frequentando a Universidade, ele admite que foi uma maratona. “Todo início de semestre era difícil: apresentar-me aos professores, explicar a deficiência, dizer que eu precisava de alguns recursos, etc.”, relata Brás. “Depois dessa fase, as coisas melhoravam um pouco, para recomeçar no semestre seguinte”.
O curso de Física, com suas equações e leis, ainda assusta grande parte dos alunos. Não foi o caso de Brás. Ele confessa que a primeira disciplina em laboratório foi um momento marcante. “Pensei: o que eu estou fazendo aqui?” lembra Braz, explicando que a falta da visão parecia inviabilizar qualquer aprendizado naquele ambiente. Mas a então professora do Departamento de Ciências Exatas (DEX) Helena Libardi preparou uma metodologia que lhe garantiu a participação naquele primeiro laboratório. A partir de então,soube que era possível ir em frente. Explica em poucas palavras o motivo da escolha: “Eu sempre fui curioso e sempre gostei de Física, desde menino”.
Ao longo do curso, Braz encontrou outros professores que souberam lidar com a deficiência. “Nunca havia imaginado encontrar pela frente um aluno como o Felipe, mas hoje sou admirador da história desse menino”, diz o professor do DEX Gilberto Lage. Ele também ministrou aulas em laboratórios para Braz, e tomava o cuidado de repassar ao aluno, com antecedência, tudo o que seria tratado na sala. Tateando os instrumentos, Braz conseguia acompanhar os conteúdos. O professor mantém registro fotográfico da atuação do estudante, tamanho o envolvimento que desenvolveu com o assunto. “O meu recurso foi sempre o de tentar me colocar no lugar dele; pensar na forma como eu gostaria de receber as informações se estivesse em seu lugar”.
O também professor do DEX Antônio Marcelo Martins Maciel explica que já possuía experiência em lecionar para deficientes visuais; por isso, considerou tranquilo o contato com Braz. Ele ressalta que é importante o docente ter algumas noções, como o fato de os prazos terem efeito diferente para o deficiente visual. “Até pela questão do acesso às informações, eles precisam de mais tempo para preparar um trabalho, por exemplo”, explica.
Se o auxílio dos professores é importante, o papel dos amigos também parece ser fundamental. Brás conta que fez verdadeiros parceiros, que o acompanhavam e estudavam com ele. Chegaram a formar um grupo de estudos. “Meu software não lê os conteúdos; então, os amigos liam para mim”. Depois ele passou a ter um monitor selecionado pela Pró-Reitoria de Graduação (PRG), o que considera um ganho no quesito acessibilidade.
Apesar de vencidas as dificuldades, o formando enumera formas de as instituições se prepararem para receber alunos com deficiência visual. Ele diz que priorizaria o investimento na mobilidade, ressaltando que o estudante precisa chegar à sala de aula, mas os degraus e os obstáculos ainda dificultam muito. Também diz ser importante que os professores se mostrem sempre sensíveis às dificuldades e busquem formas de dar acesso aos conteúdos. Sugere, por exemplo, que se tenha um estúdio de gravação em que os conteúdos possam ser transformados em áudio e utilizados pelo aluno, quando precisar, diminuindo a dependência de alguém que só pode fazer a leitura em determinados momentos.
Esperando a chegada da família e dos amigos para comemorarem a formatura, Braz já faz planos de continuar a caminhada acadêmica e exercer futuramente a carreira de professor. A motivação do formando pode ser resumida com a frase que disse aos alunos curiosos do Ensino Médio quando fez estágio: “eu tinha vontade de estudar, algumas dificuldades (que eram superáveis) e o sonho de fazer Física – foi assim que consegui.” O estudante defendeu na sexta-feira (21/2) seu trabalho de conclusão de curso (“Deficiência visual e ensino superior: possibilidades e entraves”) e foi aprovado.
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A atuação do Núcleo de Acessibilidade
Espaço de discussão e proposição de políticas institucionais que possam promover a acessibilidade e tornar o ambiente acadêmico acolhedor às pessoas com deficiência, o Núcleo tem também a proposta de ajudar na formação dos novos professores, atuando nos cursos de licenciatura e estimulando a preocupação com a inclusão. Os trabalhos são coordenados pela professora Helena Libardi. É composto de um Conselho com seis membros (quatro professores do DEX e dois do Departamento de Ciência da Computação). Recebe também o apoio de alunos dos cursos de Letras, Computação e Física.
A professora Helena diz que ainda há muito a ser feito. No momento, os membros estão elaborando o regimento interno e buscando conhecer e garantir os direitos dos alunos com deficiência. “Estamos crescendo muito em boa vontade, evoluindo na parte arquitetônica a cada semestre”, avalia. Mas afirma também que “ainda restam barreiras atitudinais, as quais só serão removidas com palestras e momentos de sensibilização”. A expectativa, segundo ela, é também de criação de políticas inclusivas, que aumentem o número de portadores de deficiência estudando na UFLA, e com condições de acessibilidade.
Para os alunos que precisarem de apoio ou para qualquer membro da comunidade acadêmica que deseje fazer contato com o Núcleo, o endereço de e-mail é naufla@praec.ufla.br.
Outros estudantes trilham caminhos parecidos
Como Braz, outros alunos com deficiência estão na UFLA não só cuidando de seus estudos, mas ajudando servidores, professores e colegas de turma a formarem a cultura da inclusão. Como diz Nilmar Machado, estudante de Letras que também possui deficiência visual, às vezes as pessoas ainda se rendem ao pensamento equivocado de que devem tratar um cidadão com deficiência como um “igual”. “Na verdade, se temos a deficiência, temos também necessidades de metodologias diferentes, por exemplo”, explica. A convivência e a troca de experiências com esses estudantes podem preparar a comunidade acadêmica para a mudança de atitude.
Machado também já cursou Direito em uma instituição privada e especialização no Departamento de Educação (DED/UFLA).
Confira na galeria de imagens fotos de Felipe Braz feitas durante as aulas de laboratório, sua participação no Simpósio Nacional do Ensino de Física (Manaus/AM), em estágio na Escola Estadual Dora Matarazzo e defendendo seu TCC.