Sem rumo
Correio Braziliense, 06/12/07
Cláudio Weber Abramo
Diretor executivo da Transparência Brasil
Na semana passada divulgaram-se os resultados de uma avaliação do nível de educação científica de estudantes de segundo grau de 57 países. Conduzido em 2006, foi o terceiro estudo do tipo feito pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). O desempenho dos estudantes brasileiros colocou-os no 52º lugar da lista. Os dois levantamentos anteriores, feitos em 2001 e 2003 e dedicados respectivamente ao manejo do idioma e à matemática, incluíram quantidades menores de países. O Brasil ficou em último lugar nos dois.
Por aqui, ninguém se surpreendeu com o resultado. Todo mundo sabe que o ensino brasileiro, público ou privado, é de péssima qualidade. Tal apreciação intuitiva é confirmada por avaliação da Fundação Paulo Montenegro segundo a qual 76% dos brasileiros são analfabetos funcionais. Isso não inclui apenas as populações miseráveis espalhadas pelo país afora, mas também (embora, naturalmente, em proporção menor do que a média dos 76%) detentores de diplomas universitários.
Algo que se comenta pouco é que o ensino de baixa qualidade não se esgota na escola. As pessoas que saem do sistema de ensino ingressam no mercado de trabalho. A alta ineficiência desse contingente se traduz em desperdícios espalhados de alto a baixo no sistema produtivo.
A questão é saber por que isso acontece. A resposta padrão é que “não se dá a importância devida à educação no Brasil”. No entanto, é difícil encontrar alguém que, se perguntado, diria que educação não é importante. Isso levanta a hipótese de que a relevância vocal que se dá ao tema seja só de fachada, e que o desprezo efetivo pelo assunto se demonstre pela carência de recursos destinados à área.
Contudo, isso também não é verdadeiro, pois os investimentos em educação têm crescido mais ou menos constantemente na última década. Por que, então, apesar disso, a educação do país continua tão ruim? A resposta deve ser buscada na economia política.
Apesar das doutrinas politicamente corretas que dominam a discussão do tema, a finalidade de um sistema educacional é formar pessoas para ocupar funções na estrutura produtiva. Objetivos como incrementar a felicidade das pessoas são respeitáveis, mas constituem conseqüência, não móvel da educação. Ninguém pode ser feliz se condenado ao imobilismo econômico.
Num país minimamente racional, o desenho do sistema e os investimentos em educação, não apenas quanto aos montantes mas principalmente quanto à sua alocação, são determinados pelas necessidades futuras do mercado de trabalho, por sua vez decorrentes do projeto de desenvolvimento do país. As cansativas menções que se fazem no Brasil ao exemplo da Coréia do Sul, que investiu alto em educação, esquecem-se de adicionar que tais aportes não foram realizados por conta de algum imperativo moral, mas no âmbito de um projeto de desenvolvimento que definiu as áreas que seria necessário estimular para alimentar o mercado de trabalho.
O que nos leva à razão fundamental pela qual o ensino brasileiro não anda. Apesar das manifestações de boas intenções, o mercado de trabalho (Estado e setor privado) não tem real demanda por pessoas qualificadas, de forma que tanto faz o que o aparato de ensino produz. Obviamente, os analfabetos funcionais que as escolas brasileiras despejam até o terceiro grau são suficientes para satisfazer às necessidades das empresas e às conveniências de governos capturados por interesses privados e políticos.
Se não fossem suficientes, os empregadores públicos e privados exerceriam pressões sobre o sistema de ensino. O fato de isso não acontecer constitui demonstração bastante de que estão satisfeitos.
A ausência de aspirações de desenvolvimento explica por que o ambiente educacional brasileiro é tão afetado pela subjetividade. Proposições estapafúrdias a respeito de educação são universais. Por exemplo, em todo lugar existe quem defenda que a educação seja “participativa” e “democrática”, incluindo desde a consulta a estudantes para a definição de currículos à designação de dirigentes das estruturas de ensino por meio de eleições. A diferença é que, num ambiente que sabe mais ou menos para onde quer se dirigir, essas tendências não predominam.
Predominam no Brasil porque o país não tem projeto de futuro. O Brasil mergulha na mediocridade complacente porque não sabe o que quer da vida. Como os determinantes materiais que pudessem direcionar a educação não estão presentes no ambiente, o sistema de ensino vagueia sem rumo, produzindo a cada ano, nos três níveis, contingentes de pessoas desqualificadas. O fato materialmente dado é que esses contingentes são dotados das habilidades necessárias para ocupar os postos de trabalho que se apresentam.