A educação na rede
Revista Isto É, Edição 1964
Francisco Alves Filho e Rodrigo Cardoso
Escolas e universidades aprimoram o ensino com estratégias como cursos online e aparelhos hi-tech nas salas de aula
O computador entrou de tal forma na rotina dos brasileiros que é difícil lembrar como nos correspondíamos antes dos emails. Um dos poucos setores que permanecem distantes das maravilhas tecnológicas foi a educação, justamente onde a inovação é mais necessária. Agora, em muitas salas do Brasil o domínio do giz começa a dar lugar à era digital. Importantes iniciativas públicas e privadas finalmente passam a utilizar o computador como ferramenta educativa e não mais como simples máquina de escrever modernizada. Pesquisa da Associação Brasileira de Ensino a Distância (Abed) revela que o ano de 2006 foi fechado com cerca de 1,3 milhão de alunos aprendendo via internet.
Lousas eletrônicas e recursos de realidade virtual já são usados com ótimos resultados nas escolas particulares e o ensino público também 'caiu' na rede. Além disso, o Ministério da Educação (MEC) está investindo R$ 176 milhões para que a Universidade Aberta do Brasil crie até agosto 60 mil vagas para diversos cursos, todos online. Projeto lançado em 2005, a universidade é um sistema nacional de ensino, ligado a 55 instituições federais, para levar educação de nível superior aos pontos mais distantes do País.
Seja para a criança ou o adulto, para o curso rápido ou o mestrado de nível internacional, a tecnologia é apoio decisivo. O ensino a distância pela rede, por exemplo, muitas vezes representa a diferença entre aprender ou não. 'Por causa do trabalho, não teria condições de freqüentar as aulas. O aprendizado online foi a saída', diz o administrador de empresas carioca Thiago Freitas, 26 anos, que fez um módulo do MBA de Gestão Empresarial na Fundação Getúlio Vargas (FGV) pelo sistema semipresencial (parte pela internet). Para estudantes de regiões remotas, os cursos online permitem o acesso a um ensino de melhor qualidade. 'A educação pela internet potencializa a chance de termos um país mais igualitário', observa Frederic Litto, presidente da Abed.
Engana-se quem acha esse tipo de ensino menos rigoroso. Os alunos são acompanhados o tempo todo por tutores e, além das provas, participam periodicamente de chats (bate-papo) nos quais discutem as matérias e também são avaliados. A prática já é rotina em prestigiadas instituições internacionais, como Harvard e Oxford. Mas no Brasil é fato recente. A expectativa é que mais gente tenha acesso a esse método. Em relação à Universidade Aberta do Brasil, o secretário de Educação a Distância do MEC, Carlos Eduardo Bielschowsky, acrescenta que o desafio não é apenas aumentar o número de alunos (informações sobre inscrições pelo site www.uab. mec.gov.br). 'Nossa preocupação é multiplicar vagas sem perder a qualidade.'
Uma boa notícia é que não param de surgir novas modalidades de ensino a distância. Neste mês, o Senac São Paulo abre as portas de seus primeiros cursos oferecidos no Second Life, a comunidade virtual em que os internautas desenvolvem vidas paralelas. Abrir as portas, na verdade, não é a expressão mais adequada. O espaço físico adotado pelo Senac não tem paredes, muito menos portas - é como se fosse um ginásio aberto. O Senac é a terceira instituição brasileira de ensino a entrar no Second Life - já estão presentes as universidades Anhembi-Morumbi e Mackenzie, ambas de São Paulo. 'Nós optamos por entrar com serviços e não com a simples montagem de um espaço', diz Sidney Lattore, gerente de tecnologia da informação do Senac- SP. Há três cursos abertos aos interessados, um de photoshop (programa de edição de imagens) e dois de criação de objetos virtuais. A idéia é disponibilizar também cursos que são dados nas dependências físicas do Senac, como moda e design.
A educação a distância não é a única forma de a tecnologia aprimorar o ensino no Brasil. Há uma imensa variedade de softwares e outros recursos da informática que tornam as aulas mais interessantes e facilitam o acesso à pesquisa. Isso vale também para a rede pública. Um dos programas que procuram aproximar professores e alunos da internet é o Sua Escola a 2000 por hora, parceria da Microsoft com o Instituto Ayrton Senna que beneficia 40 escolas brasileiras, com investimento de R$ 6 milhões. A Escola Municipal Leonilda Montandon, em Araxá (MG), é uma das beneficiadas. Lá, os alunos pesquisam na internet e registram seus trabalhos em um blog. 'A aula ficou mais interessante', diz Júlio César Alves Júnior, 13 anos, da terceira série do ensino fundamental. Tudo observado pelos mestres. O objetivo do Instituto Ayrton Senna é mostrar que, com esse método, o professor deixa de ser o único dono do saber. 'É como um doutorado, onde o estudante corre atrás da informação sob a supervisão de um orientador', explica Adriana Martinelli, coordenadora do projeto. No Ciep Mestre Marçal, de Rio das Ostras (RJ) - que adotou o Sua Escola como política pública em 2004 -, a professora de geografia Adriana de Souza Lopes vê mudanças comportamentais. 'Os alunos perderam a timidez e passaram a interagir mais', avalia. O melhor indicador, porém, é a taxa de aprovação dos estudantes ligados ao Sua Escola: 93,2% em 2006.
Como era de se esperar, os estudantes dos colégios privados estão bem à frente. Alguns dispõem de recursos de ponta, um verdadeiro Matrix educacional. O Objetivo, de São Paulo, recorre à realidade virtual para estimular a garotada. Um dos aparelhos preferidos é o skate voador. A base é acoplada a um simulador de movimentos. O adolescente sobe no skate e usa óculos eletrônicos que fazem uma 'viagem' pelas ruas paulistanas de acordo com a manobra executada. Assim o aluno aprende, de modo muito mais atraente, noções de geografia, como relevo, vegetação e clima. 'É muito legal. Mistura aventura radical com aprendizado', vibra Rafaella Tomaselli, 13 anos.
Mesmo para as aulas de português a internet pode trazer benefícios. Muita gente reclama que a linguagem dos adolescentes em suas conversas na rede mundial de computadores está aniquilando o idioma - mania que, em geral, não avança para as redações escolares. Mas o computador pode ajudar, se o professor quiser. Foi essa a decisão de Anaídes Maria da Silva, do Colégio Humboldt, em São Paulo. Ela resolveu aproveitar uma viagem que a turma fez para Paranapiacaba (antiga vila localizada na Serra do Mar) e incentivou os alunos a criar um site para postar fotos e poesias com um olhar literário sobre a cidade. Em português correto, ressalte-se. É uma boa estratégia. Stefanie Panza, 17 anos, ganhou apoio da professora para registrar em um blog as mais de 100 poesias que já escreveu. 'É um laboratório para um livro no futuro', conta a moça.
Para o ensino brasileiro, o futuro está começando agora, como indica o crescimento do uso da informática nas escolas. É o caso das chamadas lousas digitais - sistema de software que projeta na parede o conteúdo das aulas. 'Estamos no Brasil há nove anos e vendemos três mil unidades do produto. Metade foi vendida somente no último ano', contabiliza Claudia Scheiner, diretora-geral da fabricante Smart Technologies. Uma das escolas que adotaram a lousa é o Colégio Ciman, de Brasília. 'O instrumento faz com que o aluno participe mais ativamente', diz o diretor Mark Anderson.
Com tudo isso, uma dúvida paira no ar. É sabido que o Brasil enfrenta um sério problema: a falta de computadores. Porém, o recém-lançado Plano de Desenvolvimento da Educação do governo federal pretende zerar esse déficit. Estão previstos gastos de R$ 650 milhões para instalar computadores na rede pública. Em um país onde os professores ganham tão mal e são pouco valorizados, há quem critique o plano e considere que as máquinas se tornaram mais importantes que os mestres. Os especialistas não concordam. 'O professor continua sendo a base. Com esses recursos ele vai poder fazer o aluno experimentar mais, ousar mais, achar novas soluções', diz a professora Wânia Clemente de Castro, coordenadora do programa Século XXI, da Prefeitura do Rio. Segundo o senador Cristovam Buarque, ex-ministro da Educação, professor é cabeça, coração e bolso. 'Bolso bem remunerado, coração bem dedicado e cabeça bem informada. O computador tem de estar na cabeça dele', avisa (leia mais ao lado). Além disso, os mestres devem entender que as pessoas vivem ligadas à internet. 'Eles têm de falar a língua do aluno', recomenda Ivanise Santos, gerente do Centro de Tecnologia e Gestão Educacional do Senac Rio. Afinado com esses novos recursos interativos, o professor cumprirá com mais eficiência a tarefa de ensinar.
OS EDUCADORES DO FUTURO
Ex-ministro da Educação, o senador Cristovam Buarque considera que a entrada do computador nas instituições de ensino exige um novo perfil de professor, mais ligado aos recursos da modernidade. Ele acredita que a sala de aula terá três profissionais: o educador, o programador e o especialista em telecomunicações.
ISTOÉ - Quando foi criado o quadro- negro?
Cristovam Buarque - O professor escocês James Pillans inventou o quadro- negro no século XVIII. Foi o primeiro grande salto da educação. Com isso foi possível colocar 70 pessoas em uma sala. Antes, você dava discurso para muitos, mas aula mesmo era para poucos. O computador traz o segundo salto. Em um quadro-negro, quem fala de sistema solar mostra Marte num lugar, Vênus em outro. Com o computador, você põe isso em três dimensões e em movimento. O computador exige um novo tipo de profissional. O professor do meu tempo vai desaparecer. Ele não ficará mais sozinho. Três pessoas irão elaborar a aula: aquele que chamamos de professor, alguém que entenda de programação para colocar no computador o que o educador quer ensinar, e um terceiro, da área de telecomunicações, para espalhar isso no mundo.
ISTOÉ - A bagagem acumulada pelo professor fica obsoleta com a chegada do computador na escola?
Buarque - O menino que navegou à noite na internet chega na aula, de manhã, sabendo de coisas que o professor desconhece. O ator principal não é mais o professor. São o professor, o aluno e a mídia. Ele não é mais o dono do saber, nem da informação.
ISTOÉ - O aprendizado mais acelerado com o computador pede que tipo de comportamento do professor?
Buarque - Ele tem de estar ciente que não sabe a última coisa. O que ele aprendeu na universidade valeu até aquele dia e daí tem de aprender de novo. Segundo: precisa compreender que o aluno pode estar fazendo coisas que ele não domina. Terceiro: reconhecer seus limites, se não for capaz de usar os recursos novos. O professor que simplesmente não quer usar o computador é como um médico que prefere não usar uma tomografia computadorizada. O professor tem de aprender a mexer no computador.
ISTOÉ - Somente colocar computador na sala de aula resolve?
Buarque - Não adianta. Hoje, se você forrar de computadores uma escola, eles serão roubados em poucos dias. Não há estrutura para recebê-los. Basta dizer que há gente na escola sem luz! Defendo que se use o chamado computador 'burro'. Ele não é completo: sozinho não funciona. Tem de conectá-lo a uma central de processamento de dados. Você liga e diz: 'Quero dar uma aula sobre sistema solar.' Aí, recebe um endereço na internet e pronto. Você tem o computador em um terminal, que o conecta à central. Uma vantagem é que as pessoas não o roubam porque, sozinho, não tem valor. Outra é que você tem acesso a todos os softwares que estão nesse banco de dados. Não precisa comprá-los.