37 piores cursos de Direito do País formam 3,5 mil alunos por ano
O Estado de São Paulo, 27/09/07
Lisandra Paraguassú
São Paulo e Rio concentram quase 80% deles; nenhuma das instituições teve mais que 10% de aprovação na OAB
O Ministério da Educação (MEC) cruzou os dados dos cursos de Direito no Exame Nacional de Desempenho do Estudante (Enade) e os resultados do exame nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e descobriu que pelo menos 37 cursos se saem muito mal na avaliação do governo e também no exame da OAB. Nesses casos, os cursos com avaliação 1 e 2 no Enade conseguiram aprovar no exame menos de 10% dos seus estudantes inscritos. Somados, os 37 formam 3,5 mil alunos por ano, em média.
Veja os 37 cursos
O MEC decidiu abrir um “processo de supervisão” para esses cursos de Direito considerados ruins. Não apenas para os 37 piores no cruzamento de dados, mas para os 89 que têm notas 1 e 2 no Enade e no IDD - conceito que avalia o quanto o curso agregou de conhecimento do ingresso à formatura.
Apesar de os resultados estarem disponíveis para o governo desde agosto de 2006 para os cursos de Direito, apenas agora, depois de insistentes pressões da OAB, o MEC decidiu abrir os processos.
A partir de amanhã, as instituições com Enade 1 e 2, independentemente dos resultados na prova da OAB, vão receber do MEC um pedido de diagnóstico próprio dos seus problemas e um plano de melhoria das condições da instituição. Se o planejamento não for considerado suficiente, o MEC vai enviar uma comissão para avaliar a instituição e definir que medidas tomar. “Estamos inaugurando um processo de supervisão que não estava previsto”, disse o ministro da Educação, Fernando Haddad.
Se tivesse decidido abrir processos de supervisão para todos os cursos de qualquer área com conceitos 1 e 2 no Enade e IDD 1 e 2, o MEC já poderia ter iniciado esse processo em 2004, quando foi feita a primeira prova. Neste ano, com absolutamente todas as áreas avaliadas, o ministério teria mais de 1.500 cursos nessa situação.
“A supervisão pode ser feita a qualquer tempo. Está ocorrendo agora com Direito porque houve uma provocação da OAB e tínhamos de tomar uma providência”, explicou Haddad, acrescentando que o MEC não tem equipes suficientes para fazer essas supervisões todas ao mesmo tempo.
REDUÇÃO DE VAGAS
Seguindo o tempo regular, os cursos de Direito passariam por essa vistoria em 2009, quando entrariam nos processos de renovação de reconhecimento. Agora, essas instituições terão dez dias para responder ao ministério e começar o trabalho de melhoria de seus cursos. “A impressão que tenho é de que algumas instituições podem equacionar parte dos seus problemas apenas reduzindo as vagas no vestibular”, acredita o ministro.
Das 37 piores instituições, 17 estão no Estado de São Paulo e outras 12, no Rio. Essas com piores avaliações ofereceram no último vestibular, juntas, mais de 38 mil vagas. Dessas, 93% estão em universidades e centros universitários, que tem autonomia para aumentar e diminuir vagas sem depender de autorização do MEC. Se forem levados em consideração os 89 cursos na mira do ministério, foram quase 61 mil vagas.
“Isso revela que o problema não está na autorização de novos cursos. Todos os cursos de universidades e centros universitários são muito antigos”, afirmou Haddad. “Não vamos resolver o problema de qualidade mesmo que não autorizemos mais nenhum curso.”
Os cruzamentos do MEC mostram que os resultados no exame da Ordem e no Enade são coincidentes. As universidades com IDD e Enade inferiores a 3 aprovam só 8% dos estudantes na OAB; os centros universitários, 7%; as faculdades, 13%.
BAIXO DESEMPENHO
O Estado procurou a direção dos 37 piores cursos. Nove apresentaram sua defesa (leia acima). As Faculdades Integradas de São Carlos, Universidade Metropolitana de Santos, Faculdade dos Cerrados Piauienses, Universidade Bandeirantes de São Paulo, Universidade Iguaçu, Centro Universitário Ibero-Americano e Centro Universitário da Cidade informaram que não vão comentar o assunto ou não retornaram a ligação até as 20 horas. Os demais não foram localizados.
AS DEFESAS
Faculdade São José: O coordenador, Fernando Galvão, questiona o uso do exame da OAB como critério e afirma que o “Enade só mede um pedaço do curso”
Centro Universitário Metodista Bennett: Informou que implementou um novo modelo de gestão e que investirá na qualidade
Universidade Metodista de Piracicaba: Cairbar Pereira de Araújo, coordenador, afirmou desconhecer os critérios que possam estabelecer juízo crítico dentro da documentação solicitada
Universidade Vale do Paraíba: O diretor do curso, Luiz Carlos Andrade de Aquino, afirmou que “o nosso foco foi para o exame da OAB, onde tivemos desempenho satisfatório de aprovação”
Centro Universitário Nilton Lins: Informou que está se reestruturando e avaliando os alunos para conseguir reverter essa situação e obter melhores resultados
Universidade Paulista (Unip): José Nasser, diretor da faculdade, afirmou que os números de aprovados usados pela OAB não têm consistência e são falhos
Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas: Afirmou que o resultado fraco se refere à primeira turma formada e não representa o curso atual
Universidade Veiga de Almeida: O coordenador estranhou o resultado e disse que empregará ali o projeto em andamento no campus de Cabo Frio
Faculdade Eduvale de Avaré: Admite o conceito baixo no Enade e diz que reavaliará o curso
Até hoje, nenhum curso foi fechado por avaliação ruim
O cruzamento dos dados de aprovação do exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) é mais uma etapa do sistema de avaliação que começou em 1996, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, mas até hoje não conseguiu fechar nenhum curso por falta de qualidade. Na primeira fase, com o Provão, a idéia era fechar cursos que tirassem nota baixa três anos seguidos. Mas os poucos casos em que o MEC iniciou o processo foram parar na Justiça e não deram em nada.
O novo Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes), criado em 2004, precisa de um ciclo de nove anos para que todos os cursos tenham sido avaliados, totalizem três avaliações ruins e possam ser descredenciados. No entanto, o ministro da Educação, Fernando Haddad, garante que o marco regulatório mudou e, dessa vez, se for necessário, instituições poderão ser fechadas. ´O MEC não tinha um marco regulatório robusto o suficiente para garantir suas decisões na Justiça´, disse.L.P.
‘Melhor um funcionário bacharel que um analfabeto’
Simone Iwasso
“Nós estamos melhorando o ser humano como um todo. Não formamos advogados, formamos bacharéis em Direito. Não é melhor ter um funcionário bacharel do que um analfabeto? Não é melhor um bacharel dirigindo um táxi do que um analfabeto?”, alega Heitor Pinto Filho, da diretoria da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup) sobre a iniciativa do Ministério da Educação (MEC) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
“Os nossos formandos podem fazer qualquer coisa, prestar concursos, trabalhar não só como advogados. Um curso de bacharel em Direito pode formar pessoas melhores para trabalhar em comércio, na área industrial e administrativa”, diz ele, que é reitor da Universidade Bandeirante (Uniban), uma das citadas na lista.
O sindicato das faculdades particulares de São Paulo (Semesp) também critica a iniciativa. Segundo o presidente, Hermes Figueiredo, o ministério já tem ferramentas para avaliar os cursos. “A OAB é uma entidade com interesses em dificultar a entrada dos novos profissionais no mercado. E divulgar os nomes pode trazer muito dano à imagem das instituições de ensino”, afirma.
O presidente do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub), Nival Nunes de Almeida, reitor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), apóia a idéia. “Esse cruzamento de dados é uma medida salutar. É um caminho para eliminar situações que são de constrangimento para a sociedade, como a baixa qualidade dos cursos.”
“O mau desempenho no Enade ocorreu porque os alunos são escolhidos por sorteio. Sortearam os que não eram bons”, alega José Guida Neto, coordenador do curso na Faculdade Integral Cantareira, outra na lista. “O problema é que o pessoal não consegue absorver o que os professores ensinam”, justifica Maria Augusta de Almeida Funicelli, de 28 anos, aluna do 5º ano na instituição.