Constituição Federal é tema de debate na UFLA
Com o auditório do Departamento de Ciências Humanas da Universidade Federal de Lavras (DCH/UFLA) cheio na noite de quarta-feira (31/10), estudantes e especialistas em Ciência Política debateram os desdobramentos da Constituição Federal de 1988. Na ocasião, a mesa-redonda também tratou sobre o fascismo, outro tema em destaque atualmente no país.
O doutor em Sociologia pela UFMG Rubens Campante explicou a trajetória das constituições desde quando eram, na realidade, meros estatutos até a configuração da constituição no sentido jurídico, político e moderno. O sociólogo relembrou o golpe de estado de 1964 e a criação de novas constituições que instalaram o estado de exceção. "Trata-se do período de legalidade autoritária marcado pela repressão institucionalizada e contaminação do sistema da justiça. Uma das heranças não resolvidas pela redemocratização da década de 1980", frisa.
Promulgada no dia 5 de outubro de 1988, a Constituição Federal comemorou recentemente 30 anos em clima de celebração, em decorrência da garantia de direitos civis, trabalhistas e fim da tutela estatal sobre os sindicatos, por exemplo. Nela, todos os princípios constitucionais foram estabelecidos tendo em vista a preservação da dignidade da pessoa humana. Mas, mesmo com o marco legal, o doutor em sociologia relembra as medidas conservadoras para diminuir o Estado que emergiram nos anos 1990, como a onda de privatizações e enfraquecimentos dos direitos sociais. "Tratavam o país como ingovernável, uma velha tática bastante usada. A Constituição sofreu mais de cem emendas, que mudaram, pelo menos, 50% do seu texto original, e outras seis mil ações que também alteraram a Carta Magna. Contudo, ainda assim, vale a pena protegê-la", afirmou Rubens Campante.
O especialista ressaltou que, na primeira década dos anos 2000, o discurso anti-corrupção, principalmente por meio da mídia, ganhou relevo na sociedade brasileira, uma pauta também em alta no mundo inteiro. "Com a forte crise financeira de 2008, o grande capital especulativo dobrou a aposta na desregulamentação do mercado e na guerra cultural. Acirraram a discussão ideológica e desqualificaram a política e as instituições públicas, a partir do uso das redes sociais, com a divulgação de ódio, mentiras e manipulações", ressaltou. Nesse jogo, segundo Rubens Campante, a mídia tradicional também ocupou papel predominante. "Como resultado, o cidadão ficou fragmentado e fragilizado, o que explica em grande parte a descrença geral com a democracia representativa, desvirtuada no uso da lei para punir os inimigos, ferindo a Constituição, o Judiciário e a mídia", contou.
Segundo Rubens Campante, a ala conservadora brasileira se aliou estrategicamente à fascistização (processo pelo qual um regime adota tendências autoritárias). "Os liberais-conservadores adotaram uma estratégia suicida porque o fascismo avança não só sobre as instituições trabalhistas, mas também as democráticas", concluiu.
Fascismo
Na sequência, o pós-doutor e professor de Ciência Política da UFMG, Juarez Guimarães, refletiu sobre o futuro da Constituição de 1988 a partir da conjuntura brasileira. Para tanto, ele explicou o que seria o fascismo, termo mais buscado no site Wikipedia (em português) no dia seguinte ao primeiro turno da eleição presidencial de 2018, com cerca de 205 mil visitas. No mês de outubro, foram mais de 1 milhão de visualizações na página. O termo também foi líder de pesquisas no buscador Google.
"Fascismo é a ideologia de construção de poder que, em meio a uma sociedade em crise, mobiliza todas as energias para operar o renascimento que envolve uma regeneração da cultura política, social e ética. É identificado pelo culto à violência, à defesa de um estado nação numa versão paranoica, à insensibilidade com os mais vulneráveis e à defesa de uma força própria, agindo fora da lei contra as instituições democráticas", afirma.
O especialista argumenta que o fascismo passou, depois da Segunda Guerra Mundial, por transformações de variados graus e se consolidou como uma tradição política da era moderna que ganha espaço no mundo atual. "Os Estados Unidos e a Rússia são celeiros de novos experimentos e forças fascistas. No caso dos Estados Unidos, ele se alimenta e cruza ideias da supremacia branca com o fundamentalismo neopentecostal, vinculado ao projeto de criar uma nova sociedade sadia. Sociedades neoliberais são, por excelência, o espaço de crescimento desses movimentos na medida em que isolam as pessoas e aprofundam as desigualdades sociais", frisou.
A tendência se encaixa, segundo Juarez Guimarães, no caso brasileiro. "Um governo de extrema-direita, americanista, que submete o Brasil ao programa neoliberal dos Estados Unidos e é marcado pelo ataque à democracia, com a base popular constituída pelas igrejas pentecostais", ressaltou.
No dia 21/11, a mesa de debate “A Constituição de 88 e a democracia brasileira” será prelecionada pelo professor da Faculdade de Direito da UFMG David Gomes e pelo pós-doutor e professor de Filosofia do DCH/UFLA, Amaro Fleck.