Estudo propõe a utilização de práticas ecológicas tradicionais como forma de conservação ambiental em Carrancas
O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro, abrange diversos estados, entre eles Minas Gerais. Uma de suas características é o predomínio de vegetação campestre, composta por gramíneas, arbustos e árvores. Nesse ecossistema, a ocorrência de fogo, de forma natural, durante a temporada de chuvas é compreendida como algo benéfico para o bioma, já que algumas sementes necessitam de um choque térmico para iniciar o processo de germinação; além disso, historicamente as populações humanas utilizam o fogo nesses ambientes. Porém, a exclusão do fogo em algumas áreas e o uso indevido têm causado alterações nos padrões de queima, resultando em incêndios devastadores.
Na UFLA, uma pesquisa do Mestrado Profissional em Tecnologias e Inovações Ambientais, juntamente com o Departamento de Ciências Florestais (DCF), realizou um levantamento etnoecológico do fogo para auxiliar na conservação de ecossistemas naturais em regiões de Cerrado, como no município de Carrancas. “A pesquisa procurou realizar um resgate do conhecimento ecológico tradicional e das práticas antigas do uso do fogo naquela região, além de levantar o registro de incêndios das últimas décadas para saber de que forma esses conhecimentos antigos e esse histórico de incêndios podem contribuir para promover estratégias de conservação e de gestão das áreas naturais”, explica a doutoranda Carolina Costa Rodrigues.
Como as comunidades antigas já manejavam o fogo para renovação da vegetação naqueles ambientes, para o estudo foram realizadas entrevistas com atores sociais chave, ou seja, produtores rurais tradicionais, brigadistas e membros da comunidade local, para entender como era a prática antiga do fogo e como as mudanças culturais do uso da terra, como a substituição do campo nativo e o êxodo rural, influenciaram na ocorrência de incêndios descontrolados. “Escolhemos Carrancas por ser uma região importante do ponto de vista ecológico, já que ela é considerada prioritária para conservação e possui um aspecto cultural e natural de ocorrências do fogo, diz Carolina. A pesquisa foi orientada pelo professor Marco Aurélio Leite Fontes (DCF).
A pesquisadora conta que, além de ser algo comum no Cerrado em algumas estações, a população local também cultiva a prática de colocar fogo controlado na vegetação como manejo da pastagem do campo nativo. Porém, esse cenário cultural do fogo tem dado lugar a incêndios de grandes proporções. “Apesar de os ambientes campestres serem mais propensos ao fogo, como é o caso do Cerrado, essas queimadas devem ser realizadas no período correto. Uma queimada nesse período do ano em que estamos pode ocasionar um descontrole, chegando a proporções de grandes incêndios com alta intensidade e severidade. Esse é considerado o pior cenário de fogo para áreas naturais.”
Entre os resultados obtidos na pesquisa, Carolina menciona que o conhecimento tradicional do fogo naquela região constitui um conjunto de crenças e práticas que poderão ser usados para estabelecer uma política adequada de manejo do fogo para a conservação das áreas naturais campestres montanas e para prevenir grandes incêndios que a região de Carrancas tem sofrido, pois envolvem um conjunto de técnicas como a queima em mosaico, a proteção das áreas florestais sensíveis ao fogo, a redução do material combustível, entre outras. Além disso, o manejo adequado pode potencializar o cenário produtivo dos campos nativos que confere a qualidade dos queijos do município. “Observamos que é necessário urgentemente uma política adequada, uma integração da sociedade, dos grupos que existem no município, de brigadistas, do poder público e de órgãos ambientais para pensar um programa de manejo do fogo para aquela região. ”
Dados recentes do banco do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) captados por satélite mostram que nos primeiros dias de setembro, o Cerrado registrou mais focos de queimadas do que a Floresta Amazônica. Esse aumento no número de focos no Cerrado não foi visto no mesmo período de 2018.
Reportagem: Karina Mascarenhas, jornalista - bolsista Dcom/Fapemig
Imagens: Eder Spuri - bolsista Dcom/Fapemig
Edição do Vídeo: Rafael de Paiva - estagiário Dcom/UFLA
Esse conteúdo de popularização da ciência foi produzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - Fapemig.